Introdução: Em nosso estudo do Eclesiastes, pretendemos fazer uma análise que parte de uma observação panorâmica e se aprofundar nos diversos temas do livro. Em alguns momentos
faremos uma leitura que considera o ponto de vista do autor e vai um pouco além, utilizando, para isso, o conhecimento que nos oferece o contexto bíblico geral.
Classificação e características
Os livros do Velho Testamento se classificam como: livros da lei, livros históricos, poéticos e proféticos (maiores e menores). Entre os livros poéticos (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cantares) encontram-se os sapienciais ou livros de sabedoria (Jó, Eclesiastes e Provérbios), os quais se caracterizam por apresentar reflexões, conselhos práticos e filosofia de vida. Seu objetivo é a transmissão da sabedoria de tal forma que a mesma venha preencher as lacunas porventura deixadas pelos códigos da lei.
Alguns trechos do Eclesiastes têm forma poética. São eles: 3.2-8; 7.1-14; 11.7 e 12.7. As demais passagens se apresentam em prosa.
Os escritos sapienciais não se restringem ao conteúdo de Jó, Provérbios e Eclesiastes. Antigas civilizações já utilizavam escrituras desse tipo, tais como a Suméria (3000 a.C.), Babilônia, Egito, Arábia, Pérsia, Edom e Fenícia. Mesmo se tratando das Sagradas Escrituras, a literatura sapiencial se apresenta também em outros textos fora dos livros poéticos. São parábolas, provérbios e metáforas como os que encontramos em Jz. 9.7-15; 14.12; I Sm.1.12; 18.7; II Sm.12.1-4.
Os livros bíblicos sapienciais se especializam em determinados temas. Jó se aplica à questão do sofrimento. O livro de Provérbios é dedicado à moral, enquanto que Eclesiastes apresenta a questão da felicidade humana.
Título do livro
O que é eclesiastes? pregador, aquele que fala a uma assembléia. Este termo tem origem grega, o que, a princípio pode parecer estranho, uma vez que o Velho Testamento foi escrito em hebraico. Tal ocorrência se justifica por uma herança da versão chamada Septuaginta. Esta foi uma tradução do Velho Testamento do hebraico para o grego. O título original era "Qoheleth", sendo traduzido para o termo grego "Eclesiastes", o qual foi mantido em nossas versões portuguesas. O mesmo ocorreu com outros livros da Bíblia, tais como Gênesis e Deuteronômio.
Autoria
Quem é o eclesiastes? Quem é este pregador? Os versículos encontrados em Ec.1.1; 1.12; 2.1-11 nos conduzem à pessoa de Salomão. Embora seu nome não seja mencionado em nenhum momento, os textos citados não deixam margem para que se pense em outra pessoa. Consideremos as afirmações de Ec.1.1 e 1.12: "Filho de Davi.... rei de Israel em Jerusalém..." O único homem que se enquadrou nesses termos foi o próprio Salomão pois, após a sua morte, nunca mais houve um rei de Israel em Jerusalém. O reino foi dividido e em Jerusalém se encontrava o rei de Judá. Os reis de Israel ficavam em Samaria.
Entretanto, os críticos apresentam as seguintes questões contra a autoria salomônica.
Questão 1 – Nas passagens de Ec.1.2 e 7.27 o escritor conjuga os verbos na terceira pessoa. Fala do pregador como sendo outro e não ele mesmo. Poder-se-ia admitir a hipótese de uma auto-apresentação em terceira pessoa. Contudo, esse tipo de conjugação aparece em 12.8 em um contexto mais complexo. A fala em terceira pessoa se apresenta como um aposto no meio de uma frase dita em primeira pessoa. Parece então bem claro que, de fato, o pregador e o escritor do livro de Eclesiastes são duas pessoas distintas. Tal evidência não constitui grande dificuldade, já que era bastante comum a existência de escribas que registravam as palavras ditadas pelos autores. O profeta Jeremias tinha a seu serviço Baruque, que escrevia suas profecias. Não é de se estranhar que um rei, como Salomão, tivesse ao seu dispor um ou vários escribas. No novo testamento, como exemplo de situação análoga, podemos citar as cartas de Paulo. Algumas vezes o apóstolo ditava e algum dos seus discípulos escrevia (Rm.16.22).
Questão 2 – O Eclesiastes apresenta passagens aparentemente contraditórias. Isto poderia indicar a obra de dois autores. Partindo dessa premissa, foram formuladas algumas hipóteses:
A) O Eclesiastes seria originalmente uma obra cética, a qual teria recebido adições posteriores. Foi a proposta dos teólogos A. H. McNeile (Inglaterra), G. A. Barton (USA) e E.Podechard (França), todos no século XX.
B) O livro teria sido obra de 9 pessoas: 7 autores e 2 editores. Foi a hipótese de D.C. SiegFried.
Essas especulações sobre possíveis retoques em uma obra cética original não resistem diante de algumas indagações: Se um editor tentou melhorar a obra por não concordar com ela, não seria mais prático eliminá-la? Seria bastante contraditório imaginar um judeu ortodoxo tentando melhorar uma obra cética ao invés de destruí-la. Se essas hipóteses de edições posteriores correspondessem à realidade, seria natural a existência de versões conflitantes do Eclesiastes. No entanto, não existem conflitos significativos entre os manuscritos conhecidos. As diferenças detectadas se encontram em detalhes mínimos tais como o uso de artigos e outras partículas.
O vocabulário e os conceitos unem as partes que muitas vezes são consideradas contraditórias, nos levando a crer que, embora contrastantes, as idéias partem da mesma pessoa.
Além dos indícios internos no livro, temos a favor da autoria de Salomão o testemunho dos seguintes rabis judeus: Meir Zlotowitz , em seu livro Megillas Koeles, e Nosson Schermann.
O mais importante de tudo isso é que a palavra de Deus prevalece independente do autor humano. Em outros livros, como Hebreus e Jó, a identificação do autor é ainda mais difícil, ou mesmo impossível. Contudo, sua mensagem nos é transmitida de forma poderosa e eficaz.
Data e idioma original
Entre os autores que consideram a autoria de Salomão, a data de escrita do Eclesiastes tem sido colocada próxima de 977 a.C.. Como é de se esperar, muitos críticos questionam essa datação. Ao se colocar em dúvida a data questiona-se novamente a autoria. Alguns querem localizar a origem do livro em período próximo ao terceiro século a.C.. Sendo assim, estão eliminando a figura de Salomão do contexto. Não se defende uma época mais recente, pois, entre os manuscritos do mar Morto, encontraram-se fragmentos do Eclesiastes, os quais são considerados como oriundos do século II a.C.
As dificuldades nesse ponto surgem quando se analisam as características idiomáticas do livro. No texto em hebraico encontram-se influências lingüísticas de diversos tipos, as quais se apresentam em formas pronominais, artigos, uso de consoantes como vogais, e outras partículas. Assim, tem-se no Eclesiastes um hebraico diferente daquele encontrado nos outros livros do Velho Testamento, até mesmo em Provérbios, o qual se atribui a Salomão. Para responder a essa questão surgiram as seguintes hipóteses:
1 - Para D.S. Margoliouth (1921), o Eclesiastes foi escrito em um tipo de "hebraico estrangeiro".
2 - F. Zimmermann sugere que o livro tenha sido escrito originalmente em aramaico e depois traduzido para o hebraico. Sua idéia é apoiada por C.C. Torrey (1948) e H.L. Ginsberg (1950).
3 - M.Dahood (1952) afirma que o idioma fenício foi usado no texto original.
A essas colocações, houve a reação de R.Gordis, o qual defende a tese da escrita em um "hebraico tardio", numa época em que a língua já havia incorporado termos e detalhes de outros idiomas.
Aramaísmos são comuns no hebraico a partir do séc.X a.C.. Contudo, maiores dificuldades surgem quando se encontram duas palavras do idioma persa no texto. O auge do Império Persa se estendeu de 549 até 331 a.C., muito fora, portanto, do período de vida de Salomão.
Influências fenícias são também encontradas em Jó, Salmos, Provérbios, Isaías, Ezequiel e Naum, o que não constitui evidência cabal de que tais escritos tenham sido elaborados originalmente no idioma fenício.
Como podemos conciliar todas essas informações e ainda manter a afirmação de que Salomão tenha escrito o livro de Eclesiastes? Se os críticos tivessem baseado suas teorias no estudo do manuscrito original do Eclesiastes, então a questão ficaria bem mais difícil. Contudo, sabemos que ninguém possui os textos originais. Assim, toda a análise se dá sobre versões posteriores, cópias, sendo que a mais antiga disponível data do século II a.C. Desse modo, é natural que tais versões apresentem influências da época em que foram produzidas. Seria normal que o copista quisesse passar os ensinamentos na linguagem usual daqueles dias, o que poderia então ser chamado de "hebraico tardio", já influenciado por diversos idiomas. Tomemos como exemplo uma de nossas versões, a Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida, a qual utiliza a palavra "indústria" na passagem de Eclesiastes 9.10. É óbvio que tal anacronismo da tradução não nos leva a pensar que a obra original tenha sido produzida após a Revolução Industrial.
O próprio autor poderia ter mencionado a época e o local da produção de sua obra. Contudo, a ausência de tais informações acabam por reforçar o caráter universal do tema tratado pelo Eclesiastes, o qual não se restringe ao judaísmo e ao povo judeu, embora esteja a eles vinculado.
O Epicurismo
Alguns comentaristas afirmam que o Eclesiastes apresenta máximas do Epicurismo quando diz que o melhor para o homem é comer, beber e gozar do fruto do seu trabalho. O Epicurismo foi uma doutrina filosófica que se originou com Epícuro (342 a 270 a.C.), um filósofo grego. Suas principais idéias são:
1. Deísmo – É possível que Deus ou deuses existam, mas, se existirem, não estão se importando com os seres criados, não havendo de dar-lhes nenhuma recompensa ou castigo.
2. Todo o conhecimento possível vem pelos sentidos físicos.
3. O bem é sinônimo de prazer físico e mental. Os seguidores de Epícuro acabaram por desprezar o prazer mental, dedicando-se exclusivamente aos prazeres do corpo.
4. Não há vida após a morte.
Quando analisamos em conjunto os ensinamentos do epicurismo, concluímos que tal doutrina não se encontra nas páginas do Eclesiastes, uma vez que o autor fala de Deus de forma bem objetiva e atuante na vida humana, menciona a sabedoria que é dada por Deus, avisa sobre o juízo divino em relação às obras humanas. A própria vida após a morte fica subentendida na questão do juízo (12.14) e também na afirmação de que o espírito volta a Deus (12.7).
Canonicidade
O exame de partes isoladas do livro pode conduzir o leitor a ter dificuldades em relação à sua natureza canônica. Há quem veja na obra contradições, pessimismo, ceticismo e epicurismo. Porém, o Eclesiastes foi citado como canônico por Melito (Sardes) 170 d.C.; Orígenes (185-225); Epifânio (Sardes) (315-403 d.C.); Jerônimo (347-419) e diversos escritores judeus. Soma-se a esses testemunhos a declaração interna do livro, que diz que suas palavras foram dadas pelo único Pastor. Em se tratando de um livro do Antigo Testamento, o seu reconhecimento por parte de Israel tem grande importância para nós. Além disso, há que se levar em conta o que foi dito pelos já citados "Pais da Igreja".
Salomão – Vida e obra
Devido à insustentabilidade das hipóteses contrárias, consideraremos Salomão como o autor do Eclesiastes. Seu nome significa "pacífico". De fato, a paz foi uma característica marcante do seu reino, que durou de 1015 a 975 a.C., de acordo com uma das datações mais aceitas. Salomão era filho do rei Davi com Bate-seba, a que fora mulher de Urias. O Senhor mandou que o profeta Natã lhe desse o nome de Jedidias (amado de Jeová). II Sm.12.24.
Salomão foi o rei mais rico, sábio e famoso que Israel teve (I Reis 4.21,29-34). Durante o seu reinado, Israel se tornou um grande império. Em seus dias, devido à paz dominante, houve grande desenvolvimento da nação em vários setores, incluindo o comércio e a produção literária. Contudo, o autoritarismo e os altos impostos também marcaram esse período. Salomão escreveu Cantares, Provérbios, e Eclesiastes. Os salmos 72 e 127 também são atribuídos à sua autoria. (I Reis 9.20-21; 10.14-29). Há quem diga que o livro de Cantares tenha sido escrito no tempo da mocidade do rei; Provérbios seria obra dos tempos da maturidade e Eclesiastes seria a reflexão na velhice.
Apesar de toda a sua sabedoria, Salomão cometeu muitos erros. Enriqueceu-se muito à custa do sacrifício do povo, teve inúmeras mulheres, fez alianças políticas com homens ímpios e acabou se envolvendo com a idolatria. (I Rs. 11.1-12. Compare com Dt. 17.14–17).
Análise
Análise é um exame minucioso. Uma das providências que favorecem a análise é a decomposição do que se quer estudar. Por exemplo, ao se analisar a água torna-se necessário o exame e a compreensão de seus elementos básicos: o oxigênio e o hidrogênio. No estudo da língua portuguesa temos, por exemplo, a análise sintática e morfológica, nas quais as frases são divididas de tal forma que seus elementos sejam identificados e estudados isoladamente. Da mesma maneira, o nosso estudo partirá de uma visão panorâmica e se aprofundará num exame minucioso, cujo alcance ficará restrito aos mecanismos, métodos e instrumentos de estudo de que dispomos.
A análise do texto se fará através da observação e correlação.
Observação – Nesse ponto, minúcias do texto devem ser observadas, tais como classificação de palavras e a ocorrência de palavras-chaves. Dependendo do caso, pode-se perguntar como, o quê, onde, quando e por quê. Deve-se também investigar o significado dos vocábulos e tipo de emprego, se é figurado ou não. Nesse momento, é importante o uso de dicionário da língua portuguesa e dicionários bíblicos. É também desejável a disponibilidade de versões bíblicas diferentes.
Correlação – O texto examinado deverá ser, sempre que possível, correlacionado com outros versículos e capítulos do mesmo livro e com outros livros da Bíblia. É importante também que, se possível, o assunto seja confrontado com seu contexto histórico e social. Como se pode ver, alguns pontos da análise nem sempre são aplicáveis devido à falta de informações que muitas vezes se observa em relação a determinado livro ou determinada época.
O Resultado que se espera da análise é o entendimento, a interpretação. Existe muito que se pode extrair do texto bíblico através da análise. Contudo, acreditamos que existem mistérios nas Escrituras os quais só podem ser revelados pelo Espírito Santo. Pensemos, por exemplo, nas colocações que o apóstolo Paulo fez em relação a Sara e Hagar. Pelos métodos analíticos jamais chegaríamos a conclusões como aquelas, as quais não se encontram disponíveis no texto original, tratando-se de significado oculto pelo Senhor. Contudo, acreditamos que toda revelação deve ser coerente com a interpretação, sempre que esta for possível.
O Objetivo da análise é o conhecimento e a aplicação do mesmo.
Texto chave: 12.13: "De tudo quanto se tem ouvido o fim é: teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque este é o dever de todo homem".
Palavra chave: Vaidade (37x) - Qualidade do que é vão, fútil, inútil e de pouca duração.
Tema central e vocabulário em destaque
Tema central: A busca da felicidade no confronto entre a vida, a morte e a eternidade.
Todo livro sapiencial tem o objetivo de ensinar ou transmitir a sabedoria, a qual se apresenta como antídoto contra a tolice do ser humano. Observa-se no Eclesiastes o que poderíamos chamar de "tratamento de choque contra a tolice". O autor apresenta afirmações muito fortes e convida o leitor a encarar a realidade humana em face da morte.
A seguir, apresentamos de forma esquematizada alguns dos principais temas e conceitos do livro. Acrescentamos algumas expressões que não se encontram no Eclesiastes, mas se apresentam como instrumentos de análise.
- DEUS
- TEMPO
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VIDA MORTE ETERNIDADE (7x)
Passado, presente, futuro próximo Futuro indefinido Futuro eterno
Debaixo do céu (3x)
Debaixo do sol (24 x)
Homem (55 x)
Conhecimento
Sabedoria (sábio) (53x)
Trabalho
Comida
Bebida
Relacionamentos
Dinheiro
Bens, riqueza
Alegria, prazer,
Pecado,
Sofrimento, enfado da carne, vaidade, aflição de espírito
Religião
Lembrar do criador
Temer ao Senhor e guardar os mandamentos
O Eclesiastes destaca a supremacia de Deus, acima de tudo. Deus criou o homem (7.29) e deu ele o tempo (9.11). Esse tempo se divide em passado, presente e futuro. A administração temporal cabe, parcialmente ao homem, até o momento em que Deus lhe toma esse controle. Nesse tempo se situa a vida do homem. O seu desafio é descobrir o melhor a se fazer de modo a se aproveitar bem esse tempo (2.3). Salomão observou, experimentou e descreveu tudo o que o homem faz em seu tempo de vida. Em todo esse processo ele procurou descobrir o que traria ao homem maior satisfação, enfim, a felicidade. A palavra "Deus" aparece em 33 versículos do livro. "Tempo" aparece em 19 versículos. A palavra "homem" é mencionada em 47 versos. Essa freqüência nos faz notar a importância desses termos na análise existencial proposta pelo autor.
Salomão então cita as ocupações humanas, seus interesses e os alvos dos seus esforços no período chamado vida e localizado cosmicamente debaixo do sol ou debaixo do céu. Fala então de conhecimento, sabedoria, trabalho, dinheiro, bens, riqueza, comida, bebida, relacionamentos, alegria, prazer, pecado, sofrimento e religião. Tais assuntos ocorrem diversas vezes e se entrelaçam no decorrer dos capítulos de Eclesiastes. Colocados nessa ordem que escolhemos, percebemos que existe uma relação natural entre esses elementos, o que não significa a sua realidade plena na vida de todas as pessoas. Assim, o conhecimento possibilita o trabalho, que, por sua vez trará o dinheiro. Este se incumbe de trazer os bens, a comida, a bebida e, eventualmente, a riqueza. Havendo suprimento das necessidades básicas, já podem ser assumidos relacionamentos, os quais são apresentados por Salomão como questão importante na vida humana. Tudo isso, em conjunto, deveria proporcionar o prazer e a alegria para o ser humano e muitas vezes proporciona de fato. Contudo, Salomão observa que o pecado e o sofrimento também fazem parte da vida humana. O sofrimento surge de várias fontes. O próprio prazer, quando se torna escravidão, traz o sofrimento como conseqüência. E mesmo em suas formas mais legítimas, o prazer tem um fim e em seu lugar se instala novamente o sofrimento. Olhando pelo lado positivo, em algumas situações o sofrimento produz crescimento. Logo, sua completa supressão, se fosse possível, seria também prejudicial.
O pecado contamina a existência humana (9.18), que poderia ser tão maravilhosa. O sofrimento, como conseqüência do pecado, acaba também se tornando um dos motivos que conduzem o homem à prática religiosa. Ao falar da religião (5.1), o autor não a trata como fim em si mesma, como solução para os problemas observados. Até na casa de Deus encontra-se o tolo fazendo o seu sacrifício. Nota-se, portanto, a religiosidade humana contaminada pelo seu pecado.
Com todas as possibilidades de sofrimento, será que o homem poderá encontrar felicidade entregando-se à sua busca pelo prazer e pela alegria? Talvez fosse então aconselhável que o homem se dedicasse única e exclusivamente aos objetos do seu deleite: a comida, a bebida e os relacionamentos. A certa altura da sua exposição, Salomão nos indica esse caminho (2.24). Parece então que a busca excessiva pelos prazeres do corpo e pelas posses materiais possam constituir a justificativa suficiente para a vida humana. Em um primeiro momento, pensa-se na vida e em seus valores de forma positiva: construir muito, aproveitar tudo e possuir o máximo. Depois de mencionar tantas coisas positivas da vida humana, Salomão coloca em destaque a morte. Esta surge então como uma ameaça contra todas as conquistas humanas e valores da vida. Diante dessa realidade, tudo passa a ser visto como coisa vã. Daí vem a máxima: "Tudo é vaidade." Tal afirmação indica que nada tem valor nem sentido. Tudo o que for conquistado será perdido. Tudo o que for aprendido será esquecido (9.5). Tudo o que se conseguiu ser será aniquilado. Esta parece ser uma conclusão desesperada de alguém que se depara com a morte. Diante desse fato previsível e certo, todas as ocupações humanas, bem como suas conquistas, têm de ser reavaliadas. O tolo, "personagem" muito mencionado em Provérbios e Eclesiastes, vive o presente e ignora o futuro. Esta atitude pode afetá-lo de tal forma que venha a ser negligente em relação ao trabalho, aos estudos e aos projetos em geral. A sabedoria nos leva a considerar o futuro. Cabe lembrar aqui o que Cristo ensinou condenando a ansiedade pelo dia de amanhã (Mt.6.34), mas valorizando o planejamento (Lc.14.38-32).
Além do fato futuro da morte, devemos considerar também a eternidade que nos aguarda no futuro. Salomão faz então essas considerações. Muitas coisas que pareciam valer a pena, perdem seu valor quando confrontadas com a morte. Outras, se desvanecem quando confrontadas com a eternidade. Salomão toca nesse ponto quando fala do retorno do espírito para Deus (12.7) e também do futuro juízo divino sobre as obras humanas (12.14). Eis então completo o plano de confronto: a vida, a morte e a eternidade. Para que se tenha então uma perspectiva correta da existência, deve-se considerar tudo isso. Diante do peso de tão grande ponderação, o autor tece suas conclusões, onde se destaca a necessidade que o homem tem de se lembrar do Criador e o seu dever de temê-lo e obedecer os seus mandamentos.
Vemos então que o Eclesiastes tem uma linha de desenvolvimento que vai do natural ao espiritual. A maior parte de suas colocações se refere ao que é terreno, o que está debaixo do sol. Dentro desse limite tudo é vaidade. Na busca pelo que atende ao corpo, tem-se como conseqüência a aflição do espírito. Contudo, o livro vai elevando sua análise rumo ao que é eterno. Ao tratar especificamente dessa parte, o autor já não diz que é vaidade. Não é vaidade lembrar do criador, temer e guardar os mandamentos.
A Preciosidade do tempo
O tempo se divide entre passado, presente e futuro, ou podemos vê-lo como o tempo da vida, o tempo da morte e a eternidade. Muitos problemas surgem pelo erro na administração do tempo. O foco exagerado em alguma dessas divisões pode trazer conseqüências prejudiciais. Quem vive de recordações não aproveita o presente. O mesmo acontece com quem é dominado pela ansiedade ou preocupação com o futuro. Perde-se então o hoje e antecipa-se o sofrimento de amanhã que, em muitos casos pode ser apenas uma ilusão que não irá se concretizar. Não se pode pensar apenas na vida como se a morte não existisse. Também não é prudente o foco na morte a ponto de se perder a motivação pela vida. Outro extremo é a dedicação exclusiva às questões relativas à eternidade, tais como práticas espirituais ou religiosas, a tal ponto de se negligenciar o suprimento das necessidades naturais. Há necessidade de equilíbrio do foco no tempo. Qual é o ponto de equilíbrio? É uma questão a ser definida pela sabedoria.
O que acontece na maioria das vezes é que o homem fica preso no âmbito da vida, desconsidera a morte e a eternidade e poderá ser apanhado desprevenido pelos últimos tempos, sejam estes universais ou pessoais. Jesus alertou seus discípulos acerca dos "cuidados desta vida", que consistem no atendimento às necessidades e desejos humanos, mas que podem constituir laço caso se tornem tão prioritários que venham a tomar o lugar dos cuidados espirituais. Assim, a busca do necessário pode se tornar prejudicial quando obscurece os valores eternos (Lc.21.34). Foi o que aconteceu nos dias de Noé: comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento. Noé entrou na arca e o povo não percebeu até que o dilúvio caiu sobre eles (Mt.24.38-39). O que importava era apenas o presente, apenas os interesses do corpo, apenas a vida em seu momento imediato.
Reflexão diante da morte
No capítulo 2 de Eclesiastes, está o relato das grandes conquistas, experiências e realizações de Salomão. Nesse processo, certamente há que se perceber o inegável prazer de todas aquelas aquisições, fartura e conforto. Entretanto, ao se confrontar com a realidade da morte, Salomão, num primeiro momento desvaloriza todas as coisas e afirma que tudo é vaidade (2.14-18). Ele chega a aborrecer todo o seu trabalho e até a própria vida. Percebe-se então a amargura do confronto com o fim inevitável da vida terrena. É um momento de choque. Sob esta perspectiva, tudo passa a ser visto de modo crítico e destrutivo. Já que iremos morrer, o que vale a pena ser vivido? A primeira resposta é: nada vale a pena. Tudo é vaidade. Tudo está condenado.
Mais adiante, o autor de Eclesiastes já não parece tão amargurado. Então, ele retoma a valorização de muitas coisas e fatos terrenos. Agora, porém, de modo mais comedido, moderado. Vamos jogar fora a vida por causa da morte? Vamos perder a vida antecipadamente abrindo mão de tudo que podemos usufruir? De modo nenhum. Afinal, se temos algo nesta vida, isto é dom de Deus e deve ser usufruído, mesmo sendo transitório (Ec.2.24; 5.19). Contudo, já não se observa todo aquele ímpeto de busca que se viu no capítulo 2.3-10. Vamos, sim, valorizar a comida, a bebida, o trabalho, os bens, mas sem os extremos anteriores, já que se tem em mente a morte como obstáculo intransponível e limite decisivo contra as grandes realizações do homem.
A realidade da morte deverá ser confrontada com nossos atos, atitudes, tratamentos interpessoais, sentimentos, etc., afim de se determinar o que vale a pena e o que não vale.
Algumas coisas valem a pena por causa da vida em si: comer, beber, usufruir dos bens na companhia de quem se ama.
Considerando a questão da morte, constatamos que algumas coisas da vida deixam de valer a pena: Acúmulo de riquezas, excesso de trabalho, excesso de estudo, atitude de orgulho, etc. A morte coloca os seres humanos em condição de igualdade, anulando todos os privilégios naturais, diferenças culturais, econômicas, sociais, etc. "Como morre o sábio, morre o tolo." (Ec.2.16). Sendo assim, o orgulho, a soberba, e o tratamento de desprezo para com o próximo, são atitudes que não se justificam. Perdem totalmente o sentido quando se pensa na morte e seu significado.
A moderação torna-se palavra de ordem. Já que a morte é uma realidade, o mais sensato é que o homem adquira apenas o que puder usufruir. Até a sobra que se deixa como herança é vista negativamente por Salomão (2.21). Da mesma forma, o trabalho deve ser feito conforme as forças (9.10) e o estudo demasiado poderá se tornar apenas enfado (12.12). Contudo, tais palavras não devem ser usadas como justificativa para a preguiça e a negligência, pois a atitude passiva de cruzar os braços é própria do tolo (4.5). O que se busca em tudo isso é o equilíbrio, que será produto exclusivo da sabedoria. Moderação é prudência; Preguiça é tolice. Nosso desafio é sempre distinguir entre esses elementos nas mais diversas áreas da nossa vida.
Considerando a eternidade, cuja consciência foi gravada por Deus no coração humano (3.11), passamos a detectar outras coisas que deixam de valer a pena na vida: os excessos e o pecado, sendo que ambos estão muitas vezes relacionados. Por outro lado, o autor diz o que vale a pena em função da eternidade: lembrar do Criador, temê-lo e obedecer aos seus mandamentos.
Onde está o limite?
Esta é uma pergunta importante para que se saiba até onde ir nas buscas, conquistas e realizações. Contudo, uma pergunta sem resposta. Muitos limites estão estabelecidos pelas leis, mas estas não conseguem abranger a infinita variedade que envolve a ação humana e os detalhes da vida. E mesmo nas situações previstas em lei, a variação de aspectos é tão grande e freqüente que justificam a presença dos intérpretes para definir a correta aplicação dos dispositivos legais. Desse modo, a sabedoria é superior à lei pois se aplica a toda e qualquer situação. Em cada instante, em cada caso específico, só a sabedoria poderá definir com precisão o limite para as ações humanas.
Por exemplo, vimos que o acúmulo de bens não se justifica diante da morte. Entretanto, qual é o limite para esse acúmulo? O que é riqueza? Não existe um parâmetro numérico definido para que se determine o que seja o ponto que separa a pobreza da riqueza. A dificuldade é tão grande que já se "criou" uma classe média entre as duas posições. E o problema não está resolvido. Sentiu-se então a necessidade de se dividir em classe média baixa e classe média alta. E onde está o ponto divisório entre ambas? Não se sabe. Portanto, está demonstrada a necessidade que cada um tem de possuir a sabedoria, de modo que possa definir em sua própria vida os limites para suas buscas, conquistas e realizações.
Divisão do livro
(Adptação do esquema de Norbert Lohfink)
O Eclesiastes não segue uma seqüência bem definida. Os assuntos estão entrelaçados e sempre voltam à tona. Com algum esforço consegue-se traçar uma divisão não muito rigorosa. Contudo, ao se voltar ao texto, verifica-se uma variedade de temas dentro de cada capítulo.
1.1-3 – Prólogo (introdução)
1.4-11 – Visão cosmológica
1.12 – 3.15 – Antropologia
3.16 – 4.16 – Crítica Social I
5.1-7 – Crítica religiosa
5.8 – 6.10 – Crítica social II
6.11 – 9.6 – Ideologia
9.7 – 12.7 – Conclusões éticas
12.8-14 – Epílogo (encerramento)
Visão cosmológica – Ao invés de ver positivamente o universo e seus fenômenos, o autor faz uma observação crítica de tudo isso, destacando a rotina da natureza, o que, a seu ver, é algo enfadonho e monótono.
Antropologia – (Antropos = homem) – Nessa parte, Salomão se dedica a descrever as experiências humanas, inclusive as suas próprias, buscando determinar o que possa ser melhor para o homem durante seu tempo de vida.
Crítica social I – Depois de analisar diversas questões do homem, o autor passa a abordar as relações humanas com o próximo (4.4), desde o simples companheirismo (4.10), passando pelos laços familiares (4.8,11) até às relações de autoridade. Salomão valoriza a convivência (4.9) mas destaca as ocorrências de impiedade (3.16), opressão (4.1), lágrimas (4.1), e inveja (4.4). Observa ainda a ausência do juízo (3.16) e do consolo para os oprimidos (4.1). Diante de tal quadro, chega a ver positivamente a morte como um tipo de livramento (4.2). Em meio a todos os problemas do convívio social, Salomão conclui que pior será a situação daquele que estiver só (4.8-11).
Crítica religiosa – Nessa parte é analisada a relação do homem com Deus. Até nesse momento é observada a tolice (5.1) e o erro humano (5.6). O que deveria ser puro e santo também corre o risco de contaminação pelo pecado. É o caso do sacrifício do tolo, sua precipitação diante de Deus e os votos não cumpridos.
Crítica social II – É bem comum no Eclesiastes o retorno aos assuntos já tratados. O autor volta então a observar as questões sociais. Vê a opressão e a violência no lugar da justiça. Contempla a riqueza e a pobreza, embora o proveito da terra deva ser para todos (5.9). Procura mostrar algo de bom na vida do pobre: seu sono tranqüilo (5.12) e apresenta aspectos negativos na vida do rico: sua insaciável busca pelo dinheiro (5.10), sua falta de tranqüilidade (5.12), a perda dos bens (5.14), e o caso do rico que não pode comer da sua fartura (6.2).
Ideologia – O autor apresenta idéias sobre a administração da vida, comparando coisas (7.27) e apontando qual é a melhor (7.1-3). A busca do equilíbrio é incentivada (7.14-17). A obediência à autoridade pública é aconselhada (8.2). A questão da aparente injustiça da vida é explorada (8.11). Novamente se retoma o tema da morte (8.8; 9.5) e das alegrias que podem ser alcançadas em vida (8.15).
Conclusões éticas – A ética envolve questões morais do comportamento, escolhas entre o bem e o mal. Depois de tantas análises da vida, o autor expõe suas conclusões. Novamente enfatiza o valor dos prazeres da vida (9.7-9) aliados a um trabalho sem excessos (9.10). Adverte contra os danos causados pelo pecado e valoriza a sabedoria (9.18). Faz então uma série de advertências em forma de provérbios (10). Finaliza com incentivo ao gozo da vida, mas lembra a prestação de contas (11.9). Termina essa parte incentivando o jovem a lembrar-se do Criador antes que venham a velhice e a morte e o juízo (12.1-7,14).
O bem e o mal
O autor de Eclesiastes tem uma grande preocupação em relação ao bem e ao mal. Verificamos isso ao buscar no texto essas palavras e suas derivadas. O mal vai sendo detectado em quase tudo, a começar do coração humano. Mas nem tudo está perdido. Salomão identifica o bem em muitos aspectos da vida. Cabe a cada um a escolha. O autor se aplica a comparar várias coisas em busca do que é melhor. Chega ao ponto de mencionar a excelência da sabedoria. Nosso desafio é evitar o mal, buscar o bem, alcançar o melhor e o excelente.
Vejamos as ocorrências dos termos relacionados ao assunto:
Mal - 5.1,13,14,16; 6.1-3; 8.5-6; 9.3; 10.5; 11.2,10.
Maldade - 7.15; 9.3.
Maltratado - 10.9.
Amaldiçoar - 7.21-22; 10.20.
Mau - 9.2; 10.1; 12.1; 9.12.
Má - 4.3; 8.3; 8.11-12.
Bem - 2.24; 3.12,13; 4.8; 6.6; 7.14,20; 8.12,13.
Bom - 2.26; 6.12; 7.18; 7.26; 9.2; 9.7.
Boa - 5.18; 7.11; 11.6.
Melhor 2.3; 2.24; 3.12; 3.22; 4.3,6,9,13; 5.5; 6.3,9; 7.1,2,3,5,8,10; 8.15; 9.4; 9.16; 9.18.
Excelente - 2.13; 7.12.
Vejamos também alguns texto fora do Eclesiastes que mencionam o termo "excelente": Pv.8.6; Ec.2.13; Ct.4.16; Rm.2.18; Fil.1.10; I Cor. 12.31. Não se acomode no nível do que é bom.
Algumas considerações:
A) 5.1 – "... pois não sabem que fazem mal." Um dos fatores que catalisam o crescimento do mal é a ignorância. A bíblia nos foi dada para que possamos adquirir o conhecimento necessário para se identificar o mal em suas diversas formas afim de que o evitemos.
B) Ao mencionar o mal Salomão não falou sobre Satanás. Sua ação no Velho Testamento não era bem identificada. Por exemplo, no livro de Jó: Depois que Satanás destruiu tudo o que aquele homem possuía, sua conclusão foi: "Deus deu, Deus tomou." Ele atribuía tudo a Deus. Isso não está absolutamente errado, já que Deus tem o controle final de todas as coisas. Porém, Jó não percebeu a mão de Satanás nesse processo.
C) O que é bom torna-se mau quando passa a ocupar o lugar de Deus em nossas vidas (idolatria), (amor ao dinheiro 5.10); quando ocupa o lugar da espiritualidade (exemplo: trabalho no lugar do culto). A serpente de bronze que Moisés fez tornou-se um ídolo e precisou ser destruída (II Rs.18.4). Muitas coisas tornam-se más quando são feitas no tempo errado ou da maneira errada. Exemplo: arrancar uma planta que não cresceu ou colher um fruto que não amadureceu. Ec.10.16-17 (tempo e modo) 8.6. O modo de se fazer as coisas é, em muitos casos, o fator diferenciador entre o sucesso e o fracasso. Muitas pessoas falam verdades de modo ofensivo e depois se justificam dizendo que são "francas". São palavras certas ditas da maneira errada. Assim, palavras boas surtem um efeito mau.
D) Tudo é bom enquanto for justo, enquanto não for vergonhoso. (A própria consciência identifica isso com alguma eficiência. O problema é que a consciência pode ser condicionada e se tornar ineficiente.) Tudo é bom enquanto não causar escândalo. Vejamos uma lista de considerações pertinentes a essa questão em Filipenses 4.8.
Desejo x cobiça
A preocupação ética do Eclesiastes poderia ser resumida em se buscar o bem e evitar o mal. Porém, a definição do limite entre esses elementos nem sempre é fácil. Como foi observado por Salomão, o homem precisa de comida, bebida, trabalho, dinheiro, relacionamentos, alegria, prazer, etc. Em suas buscas, conquistas e realizações, o ser humano vai avançando numa direção que passa pelos domínios do bem e pode acabar alcançando o espaço do mal. Mas como se identifica a linha divisória entre as duas coisas? Podemos ver também nesse movimento uma passagem pelos domínios da sabedoria, da tolice e da loucura. Para ilustrar, vamos pensar na velocidade desenvolvida por um automóvel. Só para termos uma idéia, consideremos que até aos 80 quilômetros por hora estaríamos nos limites da sabedoria. Atingindo os 120, isso seria tolice. Ao chegarmos aos 180, teríamos alcançado a loucura. Assim acontece em várias ações humanas. Contudo, não existe um velocímetro na vida para determinar em que ponto estamos. A lei determina alguns limites, mas não todos, principalmente para coisas que são boas e aparentemente inofensivas. Uma faca não é boa nem má, mas o seu uso vai determinar essa característica. Desse modo, muitas coisas boas podem se tornar más devido a vários fatores. Em I Coríntios 10, Paulo fala que os judeus "cobiçaram as coisas más". Que coisas eram essas? Comida, bebida e diversão. Isso não é originalmente mau. A maldade está então na cobiça (Ec.6.7). Se alcançamos algo bom motivados pela cobiça, então isso se torna mau.
Vamos então dividir nosso campo de ação em dois espaços: o desejo e a cobiça.
Linha representativa dos esforços humanos, suas buscas, conquistas e realizações.
DESEJO (ponto de partida da busca) COBIÇA (desejo mal orientado) (Ec.6.7).
Bom Mau (I Cor. 10 Ec.5.1; 12.14).
A vontade diretiva de Deus O que Deus proibiu
Permitido. Permitido. (Livre arbítrio).
Sob controle. Descontrole.
Necessário Excessivo
Necessidade real e legítima. Necessidade irreal
(por soberba/medo/inveja/desvios/etc)
Fome (comida) Glutonaria (comida)
Sede (bebida) Bebedice, embriaguez (bebida)
Amor (relacionamentos) Concupiscência (relacionamentos)
Necessidade material (dinheiro,bens,riqueza) Avareza (dinheiro, bens, riqueza)
(a avareza de uns cria necessidade para outros).
Nec. física, psicológica e espiritual (fome, sede)
Justiça Injustiça
Sabedoria Tolice / Loucura
O que beneficia O que prejudica.
Acerto Erro/ crime / pecado.
A cobiça nunca se satisfaz. Assim, quem busca o dinheiro motivado pela cobiça nunca estará satisfeito com o que tem (Ec.5.10; 6.7).
O homem desvia sua necessidade psicológica e espiritual para o físico, criando falsas necessidades. Por exemplo, muitas pessoas com ansiedade, desviam seu problema para uma ilusória necessidade de alimentação. A infelicidade ou sentimento de insatisfação pode ser erroneamente identificado como falta de alguma coisa material, quando, na realidade o que está faltando é algo espiritual.
O risco e a inutilidade do excesso –
A importância do equilíbrio
O excesso é uma das origens do mal em muitas de suas manifestações. Em diversos textos, o autor de Eclesiastes menciona o excesso.
Onde está o limite entre o suprimento, o conforto e o exagero?
Algumas vezes, o exagero de alguém causa necessidade para outro. Por exemplo, enquanto uma pessoa possui muitos hectares de terra, outra não tem sequer um lote.
Vejamos os versículos de Eclesiastes que se referem ao excesso ou grande quantidade de qualquer coisa:
1.18 (sabedoria, trabalho) 4.8 (trabalho, riqueza) 5.2-3 (palavras) 5.7 (sonhos) 5.11 (bens) 5.12 (comida) 6.3 (filhos) 6.3,6 (tempo de vida) 7.16-17 (justiça, sabedoria, impiedade) (extremos) 10.17 (comida e bebida).
A busca excessiva de Salomão.
2.5 - Toda a espécie 2.7 - grande possessão - mais do que todos 2.8 - amontoei - de toda sorte
2.9 - engrandeci-me e aumentei mais do que todos. 10 - tudo.
Seria interessante ler outras palavras de Salomão sobre o excesso em Provérbios: 24.13-14; 25.16.
O homem quer mais do que lhe é dado. Adão e Eva podiam comer de quase todos os frutos disponíveis, mas quiseram até mesmo aquele que tinha sido proibido.
A felicidade não está no excesso. Depois de buscar tudo ao máximo, Salomão encontrou novamente a vaidade e a aflição de espírito.
O excesso daquilo que você quer trará também o excesso daquilo que você não quer (1.18). Muito conhecimento poderá trazer muito trabalho. Este, por sua vez, pode até não trazer excesso de dinheiro. Se trouxer, este virá acompanhado de muitas perturbações que só o rico conhece. "Onde se multiplicam os bens, multiplicam-se também os que deles comem" (5.11).
Salomão apresenta os riscos do excesso e sua inutilidade. Algumas vezes pode ser perigoso, outras, inútil. Ele não proíbe o excesso. Proibir é próprio da lei e não da sabedoria. A sabedoria orienta ao cuidado. Muitos excessos são lícitos, ou seja, não são proibidos. Contudo, podem não ser convenientes. Cabe a cada um julgar com sabedoria cada situação. Isso é bem do estilo no tempo da graça. Não é proibido comer carne de porco, mas convém? Até que ponto? I Cor.10.23.
Vejamos uma linha de conquista progressiva, onde a primeira posição corresponde ao mínimo necessário para o suprimento da necessidade. Em um segundo momento, existe algum excesso. Podemos ver nisso, não um exagero, mas uma posição de conforto. O excesso não será negativo nesse ponto. A posse material, por exemplo, em níveis ainda maiores pode se tornar inútil ou até mesmo arriscada. Ao pensarmos em dinheiro, verificamos sua necessidade e utilidade (7.12). É bom que o tenhamos em quantidade superior à necessária. Isso seria confortável. Se possuirmos muito mais do que precisamos, então não seremos capazes de usufruir de tudo. Se atingimos o que se considera acúmulo de riqueza, então podemos perder a tranqüilidade e a liberdade. Muitos chegaram a esse nível e vivem se escondendo com medo de roubos e seqüestros. Os números abaixo tem apenas objetivo ilustrativo.
Bom melhor inútil arriscado mau
----->------>------->------>------>------>------>------->-------->------->------->------->------->------>------->------>------>
10 lotes 30 100 500 1000
10 salários 30 100 500 1000
Atende atende bem não se usufrui pode prejudicar prejudica a si ou aos outros (5.9)
suprimento conforto exagero exagero exagero
O excesso de alguma coisa pode representar a falta de outra coisa para si ou para outrem (3.16; 4.8). É necessário o equilíbrio entre a justiça e a misericórdia; entre o trabalho e o descanso, etc.
Evidências do judaísmo em Eclesiastes,
enfoques teológicos e vínculos bíblicos
A aparente separação do Eclesiastes em relação ao contexto bíblico se desfaz pelos seguintes elementos:
Referência a Davi (1.1), Jerusalém (1.1,12 2.9), Israel (1.12), Casa de Deus - templo (5.1), sacrifícios (5.1), votos (5.4), anjo (5.6), mandamentos - lei (12.13). Imortalidade da alma/espírito (3.19-21 12.7), Deus (5.1) (Elohim 33 vers.), pecado (2.26), juízo (12.14).
- O teocentrismo de eclesiastes, abordando os vários aspectos das relações divinas com o homem:
Deus criador (12.1) - doador (2.24,26 5.18,19) - orientador (soberania) (9.1) - único Pastor (12.11), legislador - 12.13), Juiz (11.9 12.14 3.17).
- O pecado como causa da desgraça humana - 7.25-26 8.3,13 9.18
- O juízo – No tempo presente, na vida terrena, o justo e o ímpio passam pelas mesmas coisas. Aparentemente se observa injustiça. Salomão viu isso e se sentiu incomodado (2.14-16; 8.10-14; 9.1-3). Deus ama a todos e a todos oferece a oportunidade. Por isso, o juízo não se executa logo. Contudo, Salomão afirma que o julgamento vem e Deus o executará (11.9; 12.14; 3.17).
- Ligações com Gênesis - Pecado - 2.26 Trabalho - 1.13 Morte - 12.7 3.19-21
- Ligação com Apocalipse - Juízo (11.9 12.14) - A eterna morada do homem (12.5).
- Semelhança com Jó 3 - Ec.4.1-3 6.2-6
- Semelhança com Provérbios - Ec.10; 12.9
Acesso à segunda parte do estudo de Eclesiastes.
Análise do Velho Testamento I - Eclesiastes
Professor: Anísio Renato de Andrade
Apostila do Quinto e Sétimo períodos dos cursos:
Bacharel em Teologia
Bacharel em Teologia Ministerial e
Médio em Teologia
Bibliografia
MELO, Joel Leitão de, Eclesiastes - Versículo por Versículo - CPAD.
STORNIOLO, Ivo, BALANCIN, Euclides M., Como Ler o Livro de Eclesiastes - Ed. Paulus.
BOYER, O. S., Pequena Enciclopédia Bíblica - Ed. Vida.
EATON, Michael A., CARR, G. Lloyd, Eclesiastes e Cantares - Ed. Vida Nova.
GIBERT, Pierre, Como a Bíblia Foi Escrita - Ed. Paulinas.
ELWELL, Walter A. , Manual Bíblico do Estudante - CPAD.
Bíblia de Referência Thompson - Tradução de João Ferreira de Almeida - Versão Contemporânea - Ed. Vida
Material do SEBEMGE - Professora Deuzenir Moreira da Silva.
Produzido em março do ano 2000