O Oeste americano é um ímã para pessoas superdotadas – profissionais que, por um motivo ou por outro, escolhem residir em
regiões selvagens. Embora eu não tenha as estatísticas, em 1991 parecia que nossa cidadezinha tinha mais do que os melhores, especialmente musicistas bem treinados. E eles generosamente compartilhavam seu talento em uma ampla variedade de locais para os eventos, inclusive um curso de órgão de tubos que dava aos jovens aprendizes de teclado a oportunidade de tocar instrumentos em igrejas por toda a comunidade.
Quando minha esposa e nosso filhinho voltaram de uma aula, eu estava preparado para ouvir uma extensa explicação sobre o esplendor do órgão de tubos. Em vez disso, ouvi uma descrição de um pôster da igreja no qual estava escrito: “Ame Sua Mãe” e que trazia uma pintura da “Deusa Gaia” segurando o mundo.
Não sei quantas pessoas entendiam a mensagem subjacente nesse pôster naquela época, mas hoje os cristãos estão acordando e percebendo que o ministério de certas igrejas foi seqüestrado por um movimento vocal que promove o paganismo.
Fazendo a corte à “Mãe Natureza”
Definir o paganismo moderno é como tentar fixar gelatina na parede. Os pagãos descrevem seu ponto de vista como sendo pragmático, autoconfiante, experiencial, sempre em desenvolvimento, tolerante e de mente aberta. Contudo, eles possuem determinados princípios centrais, os quais o escritor Carl McColman definiu vagamente com o acrósticoPeople Adoring Goddess And Nature [a forma em inglês para Pessoas Adorando a Deus e a Natureza].[1]
O termo pagão significa literalmente “habitante do campo” e se originou quando o cristianismo se tornou a religião oficial do Estado depois da conversão de Constantino, imperador romano, no século IV. Enquanto os centros culturais daquela época eram “cristãos” ao estilo da moda, as áreas rurais retiveram suas práticas religiosas politeístas e animistas; e se tornaram um sinônimo para a palavra “pagão”.
A imagem estereotipada que a maioria dos cristãos tem do paganismo não é sempre precisa. O paganismo vê a realidade como um todo unificado e totalmente inclusivo; e a “deusa” é essencial em seu sistema de crenças. Os pagãos vêem a natureza como tendo a polaridade da energia: escuro e claro, ativo e passivo, macho e fêmea. Como explicou um praticante: “Como vemos a natureza como sendo o divino, também vemos nossa força divina como tendo dois aspectos – masculino e feminino – Deus e Deusa”.[2] Às vezes explicado como yine yang, deus e deusa representam os opostos polares complementares de um todo unificado.
O monismo descreve essa visão de mundo, na qual toda a matéria finalmente emerge de ou se reduz a uma mesma substância ou princípio de ser.[3] O dualismo, por outro lado, descreve a visão de mundo judaico-cristã, que reconhece Deus como distinto de Sua criação. Merlin Stone, autor de When God was a Woman [Quando Deus era Mulher], explicou: “A Deusa se localiza dentro de cada indivíduo e todas as coisas da natureza”. O Deus judaico-cristão, entretanto, é transcendente.[4]
Os pagãos vêem a terra como sendo um organismo vivo que respira e que é a fonte de toda a vida. A Deusa Gaia, às vezes mencionada como a Mãe Terra ou a Mãe Natureza, é sempre retratada com o círculo da terra como seu útero porque ela é considerada responsável por trazer toda a vida à existência. Como os pagãos veneram a Terra, eles vêem o tempo gasto ao ar livre como um tempo de comunhão com a deusa.
Se você acha que essas informações não têm relevância, pense novamente. Uma visão monística do cosmos está causando impacto na igreja professa através das preocupações ambientais. James Parks Norton, famoso e influente clérigo da cidade de Nova Iorque, um ávido ambientalista, declarou: “Estamos cada vez mais sendo desafiados a entender que o corpo de Cristo é a terra – a biosfera – a pele que inclui todos nós”. E Richard Austin, ex-pastor da Igreja Presbiteriana USA (PCUSA), que dirigiu a conferência EarthCare ’96[Cuidados com a Terra ’96], declarou: “Cristo é totalmente Deus e totalmente Terra. (...) Ele veio para salvar o mundo. (...) Ouço a Bíblia nos chamando a nos redimir da destruição da Criação”.[5]
Prevendo “A Virada”
Grupos da Nova Espiritualidade (anteriormente denominada Nova Era) prevêem o que chamam de “A Virada”, um salto quântico na consciência planetária em 2012, que resultará em um planeta unificado, funcionando em perfeita harmonia. Infelizmente, muitos líderes cristãos populares visualizam a mesma coisa.
Do lado secular, José Aguelles, instigador da iniciativa de paz “Convergência Harmônica” em 1987, escreveu: “É hora de todos os que estão dispostos a abraçar incondicionalmente o novo nos tornarmos atores do mesmo mito. (...) Tudo o que precisamos é um evento global unificado – um todo artístico – que nos una e nos sincronize na afirmação de nossos mais elevados sonhos”.[6] A Virada, disse ele, “estabelecerá o palco para uma seqüência em nossa evolução como algo distinto no ciclo da história, assim como o surgimento da vida urbana foi distinto da vida nas cavernas”.[7]
A participação nesta suposta virada quântica requer que toda a humanidade esteja espiritualmente no mesmo nível, e a chave para esse alinhamento é o conceito de “mito”. As diversas crenças dentro do paganismo são transmitidas através dos mitos em vez de declarações doutrinárias. Os pagãos usam uma abordagem narrativa que ensina através do contar histórias. Não é necessário crer nas histórias como verdades literais, mas apenas como uma apresentação metafórica da verdade subjetiva. Se os “mitos” das religiões do mundo puderem ser sincronizados, o mito universal unirá todas as religiões em uma só.
Pintura da “Deusa Gaia” segurando o mundo.
É interessante que os líderes cristãos populares também prevêem uma mudança radical no cristianismo professo, afirmando que a fé exige um tempo de “transição, um repensar, re-imaginar e re-visualisar”. Uma organização denominada Deep Shift [Virada Profunda] afirma proporcionar “apoio à medida que os líderes passarem por suas transições pessoais e guiarem suas organizações através da transição e da transformação necessárias para engajarem seu povo no trabalho para o bem do mundo em nossa cultura atual”.[8]
Michael Dowd, ministro ordenado da Igreja de Cristo Unida e autor de Thank God for the Evolution [Graças a Deus Pela Evolução], declarou: “Estamos às portas do maior reavivamento espiritual da história. (...) É bastante possível que a mudança de nosso próprio paradigma – de ver a natureza como um artefato, para ver a Natureza [sic] como a principal revelação da divindade (e inseparável da divindade) – prevaleça sobre o curso de décadas em vez do curso de séculos”.[9]
Na verdade, Dowd e outros como ele sugerem colocar um “brilho evolucionista” sobre aspectos do livro de Gênesis para “universalizar aquela história, fazendo-a significativa e instrutiva não apenas para os Povos do Livro, mas também para povos de outras tradições religiosas e de nenhuma tradição religiosa”.[10]
Cunhando um novo termo para substituir mito, Brian McLaren, o famoso líder eclesiástico emergente, afirma em seu livro Everything Must Change [Tudo Tem Que Mudar], que a “história que estrutura” o cristianismo precisa desesperadamente de uma revisão radical.[11] Caindo no erro do conto pós-moderno de que a verdade é dinâmica e está em constante mudança a fim de permanecer relevante, esses líderes vêem a doutrina como desnecessária. Um outro líder cristão declarou: “Desejamos crescimento e aprendizagem, não dogmas e doutrinas”.[12] McLaren afirmou:
Sem pedir quaisquer desculpas a Martinho Lutero, a João Calvino, ou ao evangelicalismo moderno, Jesus (em Lucas 16.19) não prescreve o inferno para aqueles que se recusarem a aceitar a mensagem da justificação pela graça através da fé. (...) Pelo contrário, o inferno – literal ou figurado – é para os ricos e fartos, que prosseguem em seu caminho sem se preocuparem com o necessitado em seu dia a dia.[13]
Para essas pessoas, desconstruir a doutrina bíblica da salvação usando uma passagem isolada do texto não é algo incomum. De acordo com McLaren: “A essência da mensagem deJesus enfocava a transformação pessoal, social e global nesta vida”, e aparentemente tem pouco a ver com a salvação mediante a fé na oferta pessoal de Cristo como o único sacrifício que Deus aceitará pelo pecado.[14] É chocante, mas um outro escritor cristão declarou: “A fixação da igreja na morte de Jesus como o ato salvífico universal tem que acabar, e o lugar da cruz deve ser re-imaginado na fé cristã. Por quê? Por causa do culto ao sofrimento e do Deus vingativo por detrás dele”.[15]
Usando um entendimento dúbio e uma linguagem deliberadamente vaga, muitos advogam uma forma escondida de pluralismo que é típica do paganismo. Refletindo essa atitude estão as pessoas que se referem ao cristianismo como “seguir a Deus à maneira de Jesus”.[16] A mensagem sutil é que todas as religiões levam as pessoas a Deus; o cristianismo, por acaso, é apenas a “maneira de Jesus”. Eles explicam:
O evangelismo ou a missão para mim já não tem mais nada a ver com persuadir as pessoas a crerem naquilo que eu creio, não importa quão impaciente ou criativo eu seja. Tem mais a ver com experiências e encontros compartilhados. Tem a ver com caminhar a jornada da vida e da fé juntos, cada um distinto em suas próprias tradição e cultura, mas com a possibilidade de encontrarem a Deus e a verdade uns dos outros.[17]
Um outro confessa: “Para mim, o início do compartilhar de minha fé com as pessoas começou quando joguei fora o cristianismo e abracei a espiritualidade cristã, um sistema misterioso não-político que pode ser experimentado mas não explicado”.[18] Compartilhar uma fé que você não pode explicar parece um paradoxo; mas a idéia certamente se encaixa na filosofa de que o individualismo, a experiência e o pluralismo definem os princípios das crenças de uma pessoa.
A mensagem sutil, cuidadosamente colocada em palavras, é que as pessoas podem chegar a Deus de qualquer forma que desejarem. Citando Michael Dowd: “Se você está, de coração, comprometido a crescer em profunda integridade e a não ter ressentimentos, nem culpa, nem vergonha, nem arrependimentos, nem negócios não terminados, você está salvo, seja qual for sua religião ou sua filosofia”.[19]
Embora o movimento atual em direção ao paganismo dentro do cristianismo professo tenha emergido por meio das principais denominações, há vozes dentro desses grupos que reconhecem as implicações. Sylvia Dooling, da PCUSA, admoestou que essas crenças estão crescendo como uma tendência atual nas principais denominações.[20] Diane L. Knippers, ex-presidente do Instituto de Religião e Democracia, lamentou: “O movimento permanece influente nas principais denominações como sendo a vanguarda da teologia feminista, a tendência mais proeminente nos campi dos seminários atualmente”.[21]
Elas, e outros como elas, entendem que, se a igreja professa permite que a visão de mundo pagã “re-imagine” os elementos centrais do cristianismo, isso certamente significará uma mudança não apenas para a igreja, mas também para o mundo. (Charles E. McCracken)
Notas:
- Carl McColman, The Complete Idiot’s Guide to Paganism [O Guia do Completo Idiota ao Paganismo] (New York, NY: Penguin, 2002), 6.
- “Paganism as a Belief System” [O Paganismo como um Sistema de Crenças],Harmonious Living [O Viver Harmônico], 28 de novembro de 2006, harmoniousliving.co.za/Spirituality/Beliefs/Paganism-as-a-Belief-System.
- “Monism” [Monismo], thefreedictionary.com/monism.
- Richard N. Ostling, Michael P. Harris, Elizabeth L’Hommedieu, “When God was a Woman” [Quando Deus era Mulher], Time, 6 de maio de 1991, time.com/time/magazine/article/0,9171,972894-2,00.html.
- Dave Hunt, “The Greening of the Cross”, The Berean Call, 30 de junho de 1997, thebereancall.org/node/5820.
- José A. Arguelles, “Welcome to the New Time” [Bem-vindo ao Novo Tempo], lawoftime.org/home.html.
- José A. Arguelles, “Planetary Whole System Design Science: A Contribution to WorldShift 2012”, lawoftime.org/planetarywholesystem.html.
- “We Are in Deep Shift” [Estamos em uma Virada Profunda], deepshift.org/site.
- Michael Dowd, Thank God for Evolution [Graças a Deus Pela Evolução] (New York, NY: Penguin, 2007), 128.
- Ibid., 166.
- Brian McLaren, Everything Must Change [Tudo Tem que Mudar] (Nashville, TN: Thomas Nelson, 2007), 66-68.
- John O’Keefe, “Church 3.0, the Upgrade” [Igreja 3.0, a A Atualização], nextwave.org/nov01/church30.html.
- McLaren, 208.
- Ibid., 22.
- Alan Jones, Reimagining Christianity [Re-imaginando o Cristianismo], citado em Don Boys, “Emergent Church Leaders Are Modern Gnostics!” [Os Líderes da Igreja Emergente São Gnósticos Modernos!], cstnews.com/bm/issues-facing-christians-today-common-sense-for-today/falling-standards-and-seeker-sensitive-churches/emergent-church-leaders-are-modern-gnostics.shtml.
- McLaren, 12.
- Eddie Gibbs e Ryan K. Bolger, Emerging Churches: Creating Christian Community in Postmodern Cultures [Igrejas Emergentes: Criando a Comunidade Cristã em Culturas Pós-Modernas] (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2005), 131.
- Donald Miller, Blue Like Jazz (Como os pinguins me ajudaram a entender Deus) (Nashville, TN: Thomas Nelson, 2003), 115.
- Dowd, 197.
- Christopher Lensch, “‘Re-Imagining’ Review: Radical Feminism in Sheep’s Clothing” [Resenha de ‘Re-Imaginando’: Feminismo Radical em Pele de Cordeiro], WRS (Western Reformed Seminary) Journal [Periódico do Seminário Reformado do Oeste] (1), nº 1, (2003) wrs.edu/Materials–for–Web–Site/Journals/10-1%20Feb-2003/Lensch%20-%20Re-imagining%20Update.pdf.
- Citado em Lensch.